Governo não termina rodovia e atoleiros inviabilizam escoamento da soja

Caminhões ficam parados por dias, com soja estragando, em parte não asfaltada de estrada que já teve metade de sua extensão construída pelos produtores da região.

Há cinco meses, o Projeto Soja Brasil contou a história dos produtores da região médio-norte de Mato Grosso que, com dinheiro do próprio bolso, construíram parte de uma importante rodovia para escoamento de grãos. A expectativa na época era que após as eleições para prefeito, em outubro, o governo do estado (que se responsabilizou de construir a outra metade da estrada), retomasse o projeto e concluísse a operação. Isso nunca aconteceu. Para piorar, as fortes chuvas que o estado recebe desde janeiro transformou a parte não asfaltada em um verdadeiro circuito off Road, com muitos caminhões carregados de soja atolados e toneladas de grãos estragando.

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A estrada em questão é a famosa MT-388, que separa os municípios de Campos de Júlio e Nova Lacerda, e atende uma das maiores regiões do estado na produção de grãos. Ao todo são apenas 66 quilômetros de rodovia, no qual os produtores já gastaram mais de R$ 25 milhões, para asfaltar e adequar 33 quilômetros. O restante é apenas uma pista de terra mal batida, com muitos buracos e insegurança. “Nós fizemos um acordo com o governo do estado, no qual construiríamos 50% desta rodovia e eles a outra metade. Nós fizemos nossa parte, mas o governo não”, diz Alfredo Tomé Felipe presidente da Associação dos Produtores da 388 e vice-presidente do Sindicato Rural de Campos de Júlio.

personagem soja

O problema é que em um período tão importante quanto o atual, no qual os produtores estão colhendo e transportando sua soja, a parte não asfaltada da rodovia, que já trazia problemas devido à má conservação, buracos e falta de sinalização, agora se tornou intransitável devido ao excesso de chuvas. Durante a reportagem, não foram poucos os casos de atolamento, o mais grave contou com a ajuda de muitos trabalhadores, tratores e escavadeiras para retirar o caminhão de uma vala. “Já estamos três dias parados aqui. Isso nunca acaba. Olha a situação, tomba ou não tomba. Três tratores, escavadeiras e muita gente ajudando. O transtorno é muito grande até sem chuva, o caminhão não para na pista, quebra mola, eixo, tudo”, explica o caminhoneiro Hélio de Oliveira Santos.

Santos conta que se estiver chovendo nem adianta mandar trator também, porque é escorregadio e o caminhão não sai, só afunda. “Não sei nem quando voltarei para casa, acredito que vai demorar. Porque ainda estou indo descarregar e provavelmente terei de esperar aparecer um sol para poder voltar. Não adianta nem tentar se estiver chovendo, porque vai sofrer”, ressalta ele.

O caminhoneiro Raimundo Alves Carlos da Silva está em situação ainda pior, parado a mais tempo que Santos, ele apela para fazendeiros da região até para beber água. “Não está fácil, estou a quatro dias aqui nessa estrada. Carregado de soja verde, tenho que ir para Campos de Júlio onde fica o secador. Mas, com a estrada nessa situação, a nossa salvação são as fazendas vizinhas, onde pegamos água para beber e tomar banho”, ressalta Silva.

Outro problema é que boa parte dos caminhões parados já estão perdendo soja que carregavam, pois os grãos foram colhidos verdes ou úmidos e com o calor estragam. “Estamos correndo o risco de perder todos os grãos. A soja já passou da hora de ser descarregada, vai começar a azedar e estragar”, conta Silva.

Já os produtores da região, principalmente os que não possuem armazéns nas propriedades, estão entre a cruz e a espada. Com as chuvas intermitentes e a soja pronta para colher, ao menor sinal de sol eles partem para a colheita para tentar não perder ainda mais a produtividade, não esperam nem o grão perder a umidade, pois o risco de voltar a chover é grande. Entretanto, com os problemas na rodovia, o risco de perder parte da produção segue alto. O que fazer? Não colher e deixar a soja estragando na lavoura, ou retirá-la e correr o risco de estragar no caminhão parado?

O produtor Elton Zanella preferiu nem retirar os caminhões da propriedade, pois teme ter prejuízos ainda maiores. “Os caminhões estão todos dentro da fazenda. Porque nessa rodovia, qualquer garoa que cai, são 20,30, até 50 caminhões atolados. Para tirá-los, temos que parar as operações na fazenda para mandar os tratores para lá. Isso é uma vergonha, pois pagamos tantos impostos, como o Fethab, e no final ainda temos tomamos prejuízos com as estradas”, garante Zanella.

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OBS: O Fethab é uma cobrança de alíquotas sobre a unidade padrão fiscal semestral de quatro culturas: soja, algodão, pecuária e madeira. Desde 1997 os produtores do estado são obrigados a colaborar com este fundo, que em tese seriam destinados para melhorias na infraestrutura das rodovias do estado.

Outro produtor revoltado com a situação é Leandro Bortoluzzi, que ressalta a preocupação daqueles que não tem como estocar a soja. “Quem não tem condições de armazenar na fazenda é o maior prejudicado com isso. E depois eles vem nos cobrando um novo tributo, como esse Fethab 2, mas não apresentam contrapartida”, frisa.

Por sua vez, ao ser procurada pela reportagem, a Secretaria de Infraestrutura e Logística de Mato Grosso informou que este governo já pavimentou 1.430 quilômetros de estradas estaduais. E em relação à MT-388, o órgão do governo garantiu que um trecho de 12 quilômetros de pavimentação deve sair em breve, já que pretendem abrir a licitação ainda este ano.

Daniel Popov, de São Paulo e Pedro Silvestre, de Mato Grosso

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