Falta de armazéns para soja convencional faz produtor entregar grão como transgênico

Com isso, o sojicultor perde o prêmio que ganharia sobre o valor da oleaginosa e que traria ganho de rentabilidade. Agricultora de Mato Grosso não conseguiu nem honrar contrato firmado antecipadamente

Pedro Silvestre, de Nova Mutum (MT)
É cada vez maior a procura do mercado internacional por variedades de soja convencional. De olho nesta demanda, o Brasil tem incentivado o cultivo destas plantas não modificadas geneticamente através do programa Soja Livre, fruto de uma parceria entre a Aprosoja e a Embrapa. Por sua vez, o produtor tem gostado dos resultados trazidos por este cultivo, já que os prêmios pagos são bons para ampliar a rentabilidade. Só que a falta de armazéns para a soja convencional tem trazido problemas para produtores de Mato Grosso.

Para se ter uma ideia de como isso tem agradado os produtores, dos mil hectares cultivados com soja por Lucas Beber, de Nova Mutum (MT), 20% foram com convencional. Apesar da porcentagem ainda ser tímida em relação a transgênica o produtor está animado com os resultados e com os benefícios oferecidos pelas variedades. “A vantagem da convencional é este ganho de prêmio nos preços que se tem. Além disso também para fazer a rotação do princípio ativo no controle de ervas no solo, né”, comenta ele.

Outra vantagem observada pelo produtor em relação as variedades convencionais é a resistência a doença conhecida como nematoide de cisto da soja. Além disso, ele destaca também a boa produtividade alcançada até agora, uma média de 65 sacos por hectare. “Nós precisamos que o produtor tenha opção de escolha. A ideia do Programa Soja Livre é justamente incentivar que os produtores voltem a plantar o soja convencional”, explica o presidente da Aprosoja-MT, Endrigo Dalcin.

Segundo Dalcin, apesar do amplo domínio das variedades transgênicas (95% da soja cultivada no país) é preciso dar espaço para as convencionais não só pelos prêmios pagos, mas também para o manejo das lavouras. “Hoje, temos materiais convencionais no mercado que têm resistência ampla ao cisto, com tolerância a doenças como a ferrugem, entre outros. Precisamos incentivar as empresas para que façam mais pesquisas com novos materiais convencionais com características importantes para o produtor”, garante o presidente da entidade.

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Esta movimentação do programa Soja Livre já tem atraído a atenção de algumas empresas, conta Dalcin, ao relatar que pelo menos duas multinacionais do Brasil já demonstraram interesse em comprar o produto convencional nesta temporada, ampliando ainda mais a demanda. “Escutei isso de pelo menos duas empresas grandes que irão começar a comprar soja convencional. Isso irá reverter, lá na ponta final, em um aumento da rentabilidade para o produtor, que terá uma alternativa para fugir um pouco dessa elevação de custo e queda nos preços que temos visto”, relata ele.

No Mato Grosso, as perspectivas de ampliação da área com soja convencional já existem. Atualmente, 8% dos 9,3 milhões de hectares semeados por lá, são com variedades não transgênicas. A Aprosoja acredita que na temporada seguinte, 2017/2018, o volume aumentará para 10% do total. Com demanda, oferta e preço, a prática tinha tudo para dar certo. Entretanto um problema tem limitado a expansão do programa, a falta de armazéns para soja convencional, que precisa estar bem separada das variedades transgênicas para evitar riscos de mistura.

Ainda não é a maioria dos produtores que possuem armazéns em suas propriedades. Dos que possuem, certamente, pouquíssimos têm mais de um para segregar a produção de soja entre convencional e transgênica. Na propriedade de Beber, em Nova Mutum este é o problema. “Tenho um armazém próprio e não tenho como armazenar a convencional separadamente. Então tento levar até as únicas três empresas que possuem capacidade de armazenagem de soja convencional na cidade. As vezes não tem espaço e os produtores tem que mandar esta soja para outros municípios, o que encarece o custo”, diz o produtor.

Além disso, muitas vezes a falta de caminhões e de armazéns atrapalha este processo e para não perder a soja, entrega como transgênica mesmo, perdendo o bônus. “Ou seja, perdeu o prêmio do preço do convencional e acabou entregando como soja transgênica para não deixar perder a soja na lavoura”, contou ele.

Este problema relatado pelo produtor aconteceu com a sojicultora Daiana Costa, que cultivou 400 hectares com soja convencional. Ela fez um contrato antecipado com uma trading e após colher, tentou armazenar os grãos não modificados geneticamente na única empresa preparada para atender as tradings no município. Mas, quando levou a soja para lá, algumas falhas em um equipamento atrasaram estes recebimentos das cargas. Resultado? Entregou a soja convencional, como se fosse transgênica e não ganhou o bônus. “Tínhamos cargas lá há dois dias e sem previsão de descarga. A colheita estava parada porque precisávamos fazer a desocupação de uma moega, para poder voltar a receber soja transgênica da lavoura e evitar misturar as duas”, explica ela.

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Com isso a produtora decidiu entregar a soja convencional como transgênica mesmo e não foi capaz de honrar o compromisso contratado. “Podemos enfrentar um novo ano complicado, não sabemos o que vai ser. Com esta situação, teremos que reconsiderar se tem tanta viabilidade assim o plantio da soja convencional ou se vai ter que ser feita uma nova organização para o ano que vem”, constatou Daiana.

Dalcin ressalta que resolver este problema de armazenagem é uma das prioridades da Aprosoja no estado de Mato Grosso, principalmente estocagem desta soja convencional. “Temos poucos armazéns gerais que podem receber a soja convencional e ficamos na dependência das grandes tradings. Precisamos avançar muito nesta questão, nos financiamentos e desburocratizar um pouquinho o acesso a estes créditos”, conta ele.

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