Entenda por que a falta de regras aumenta o conflito na classificação dos grãos

Muitos classificadores de grãos que atuam no mercado não possuem habilitação no Ministério da Agricultura e, portanto, não poderiam elaborar um laudo legal

Daniel Popov, de São Paulo
Os relatos dos produtores rurais sobre os abusos vividos na entrega dos grãos para as empresas compradoras são alarmantes. Após mais de um mês de trabalho, o classificador credenciado pelo Ministério da Agricultura, que a pedido da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja), tem rodado Mato Grosso, traz relatos do descaso, falta de ética e abusos cometidos pelas empresas na hora de classificar os grãos.

Em reportagem recente do Canal Rural, muitos produtores de Mato Grosso alegaram que a classificação de grãos realizada pelas empresas estava errada. Ao contratar um classificador habilitado, a Aprosoja constatou o erro, mas isso não foi o suficiente para mudar a maneira que as compradoras lidavam com o caso. “Muito produtores disseram ter receio de entrar em atrito com a empresa, que, além de comprar seu produto, também financia os insumos e assume o prejuízo”, conta o classificador Moreira. “Se fosse lei, era o sindicato rural que entraria com o processo, e isso não afetaria a relação entre os produtores e as empresas.”

personagem soja

A lei 9.972, do ano 2000, não exige que as empresas que compram grãos dos produtores, possuam uma classificação de grãos, muito menos, um classificador oficial, habilitado pelo Ministério da Agricultura. Em campo, o classificador contratado pela Aprosoja constatou que todas as empresas fazem a classificação ao receber a soja do agricultor, até por questão de qualidade, o que é justo. Entretanto, poucas possuem um classificador oficial habilitado pelo Ministério. “Elas não são obrigadas a isso. Muitas vezes treinam um funcionário para realizar a tarefa”, garante o diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov), do Ministério da Agricultura, Fábio Florêncio Fernandes.

Não é difícil comprovar que algumas empresas não procuram profissionais credenciados para classificar os grãos recebidos dos agricultores. Basta acessar a internet e digitar “vaga para classificador de grãos”. O resultado é uma enxurrada de anúncios de vagas, que pagam em sua grande maioria R$ 1,2 mil por mês, sem qualquer exigência específica sobre cursos ou habilitação para exercer a função de classificador. No máximo o que se pede é conhecimento da atividade.

Para piorar, obter um certificado nem é tão complicado assim. Na mesma internet, digite “curso para classificação de grãos”, e muitas opções aparecerão. Cursos a distância, sem qualquer meio de comprovação se o conhecimento foi adquirido, que liberam o certificado mediante o pagamento de, acredite, R$ 59. Ou mesmo alguns presenciais, mais caros, de R$ 700 para cima. “Esses cursos não transformam ninguém em um classificador de grãos. Eles, no máximo, servem para conhecimento. Mas não credenciam ninguém a trabalhar com classificação”, afirma Paulo José Kramer, presidente da Associação Brasileira das Empresas e Entidades de Classificação de Produtos Vegetais e Laboratórios de Alimentos (Asclave).

Em todos os casos, ao indagar as escolas se o curso daria habilitação para o profissional atuar como classificador de grãos credenciado no Ministério da Agricultura, todas ressaltam a reportagem que seus cursos não servem para isso. Até mesmo os cursos ministrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), ou mesmo o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), também não dão a habilitação necessária junto ao Ministério, portanto, não formam profissionais credenciados a trabalhar com isso oficialmente.

Segundo o Senar-MT, os cursos são voltados para ampliar o conhecimento do setor produtivo, e não para formar trabalhadores.  A entidade não descarta a possibilidade de, no futuro, buscar esta habilitação junto aos órgãos competentes e o Ministério da Agricultura, mas por enquanto não servem para isso.

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Kramer conta que no país existem aproximadamente 15 instituições gabaritadas a habilitar profissionais com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), junto ao Ministério da Agricultura. Após esta formação os profissionais ganham uma carteirinha de Classificador Oficial de Grãos. “Para ter acesso a esta carteirinha, é preciso ser formado em engenharia agronômica, ou técnico agrícola etc. E possuir o Crea, pois assim como em outras áreas, estes profissionais serão responsáveis legais pela atividade exercida, resultados obtidos e por ai vai”, explica Kramer.

Para o diretor do Dipov, não adianta cobrar que o Ministério da Agricultura faça algo a respeito deste impasse, é preciso mudar a lei e obrigar as empresas a possuírem um classificador habilitado. Este profissional seria obrigado a seguir os métodos descritos em lei, e classificaria os resíduos e umidade conforme as regras da Anvisa. “As empresas treinam alguns funcionários e os chamam de classificador, mas eles não têm conhecimento, treinamento e habilitação para isso. Não podem emitir um laudo ou certificado, por exemplo. Eles simplesmente fazem o que o patrão diz para fazer”, explica Fernandez.

O que a lei obriga hoje

Em resumo, a lei em vigor não obriga nenhuma empresa que recebe os produtos primários a possuir um classificador de grãos habilitado pelo Ministério da Agricultura. Só em caso de importação de produtos, venda para órgão do governo ou comercialização direta ao consumidor. Também não há exigência de se seguir as normas de classificação usadas no Ministério. Ou seja, quem contrata não busca profissionais habilitados por alguns motivos:

1 – para não pagar um salário mais alto. Em média paga-se R$ 2,5 mil para um profissional habilitado, dobro do valor recebido pelos contratados atuais;

2 – não há exigência sobre o uso dos equipamentos adequados para esta classificação. Ficando a critério das empresas como fazer isso, métodos usados e métricas;

3 – inexistência de obrigação legal sobre esta classificação. O que quer dizer que mesmo se errar uma classificação e isso ficar comprovado através de testes oficiais, não há punição para a empresa e/ou o profissional que realizou a classificação;

O que o setor produtivo defende

Para o setor produtivo o ideal é que se crie uma regulamentação para esta classificação. A Câmara Setorial da Soja criou uma sala de discussão para debater um modelo de criação de uma Câmara Arbitral que vai mediar conflitos de classificação de grãos no momento da comercialização com as indústrias e cerealistas.

Inicialmente, se defende que os produtores precisam acertar a forma que esta classificação é realizada através de um contrato com a empresa compradora. “É preciso elaborar contratos entre os produtores e as tradings que contenham todos estes dados por escrito e a maneira que será realizada a classificação”, explica Marcos Da Rosa, da Aprosoja Brasil.

Para Da Rosa, a legislação também precisa especificar como o processo deve ser feito e os instrumentos a serem usados. “Este é um assunto, que se iniciou junto com a produção de grãos no país. A lei não é suficiente para regularizar todos os itens na classificação de grãos. Espero que este ano, finalmente, este tema ganhe uma regulamentação”, comenta ele.

O que o pensa o classificador habilitado pelo Ministério

Todas as empresas que compram grãos, como milho e soja, deveriam ser obrigadas a possuir um profissional habilitado pelo Ministério para fazer esta classificação. Com isso, tanto a empresa, quanto o profissional seriam responsabilizados em futuros erros ao receber os grãos, evitando a não padronização dos métodos e uso de aparelhos inadequados para esta classificação.

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É claro, que em casos de adulteração dos resultados visando gerar lucro indevido da empresa, a punição seria mais severa, de acordo com a lei federal. Em suma, resume Kramer, o profissional habilitado responsável pelo processo corrompido, seria responsabilizado judicialmente e poderia perder inclusive sua CREA, além é claro da habilitação. A empresa, por sua vez também poderia receber uma punição mais dura, além de uma multa. “Em resumo, mesmo que a empresa sugerisse ao seu funcionário (habilitado pelo Ministério), que mudasse alguns processos, este não aceitaria, com medo de perder sua CREA”, conta o classificador de grãos habilitado pelo Ministério, Huander Moreira.

O que as empresas dizem

Procurada pela reportagem do Canal Rural a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa as empresas, optou por responder os questionamentos através de nota. Segue abaixo, na integra:

– A possível obrigação de ter um classificador habilitado nas empresas traz algum problema para as empresas?

Sim, é possível. Contudo, é importante esclarecer que as empresas hoje já trabalham com classificadores treinados e qualificados. Importante esclarecer que, se os produtores rurais desejarem que a classificação seja feita nas fazendas, também deverão contratar classificador habilitado. Para esta categoria de profissional (classificador oficial), é necessário que o profissional seja técnico agrícola ou engenheiro agrônomo, o que terá impactos em termos salariais e maior dificuldade de mão de obra. É um quesito a ser devidamente ponderado por todas as partes envolvidas.

– Padronizar os métodos de acordo com os usados pelo Ministério da Agricultura traz alguma desvantagem?

Não traz desvantagens, pois as empresas já seguem o estabelecido pela norma em termos de processo e conceitos de classificação, ainda que a norma não seja aplicável a produtos fora do padrão. Orientação nesse sentido já foi desenvolvida pelas empresas em conjunto com a OCB, ANEC, Acebra e Aprosoja. Esse trabalho gerou o Guia de Boas Práticas de Classificação de Soja, mas a Aprosoja não teve interesse em concluir o trabalho com a assinatura do documento.

– Usar os instrumentos adequados, da forma mais correta conforme indicação do Ministério da Agricultura seria difícil para as empresas?

Não seria difícil, mesmo porque as empresas já utilizam equipamentos e procedimentos adequados que garantem a retirada de amostras representativas das cargas para fins de classificação. São práticas alinhadas com as melhores práticas internacionais de amostragem e classificação de grãos.

– Existe algum motivo para que as empresas não concordem com a criação de uma regulamentação para a classificação dos grãos?

Nenhum motivo e as empresas não discordam, mesmo porque a Abiove sempre esteve aberta ao diálogo e colaborou para a regulamentação do Inmetro sobre medidores de umidade. A entidade se mantém a disposição para retomar o diálogo sobre o Guia de Boas Práticas de Classificação de Soja.

A Abiove entende que o melhor caminho é o alinhamento de práticas entre as entidades representativas do setor, pois a intervenção do governo apenas gerará mais morosidade, burocracia e custos desnecessários para a cadeia produtora.

Já a Bunge, através de nota  informou que “Todos os grãos recebidos por seus fornecedores são avaliados e, como procedimento, passam pelo processo de classificação. Caso seja identificada alguma avaria, o desconto é realizado, conforme previsto em cláusula contratual.”

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